sábado, 18 de outubro de 2008

O Campo de Santa Cruz

Por Augusto Martins

As primeiras diligências para que a Associação Académica de Coimbra dispusesse de um campo de jogos partiram de um grupo de estudantes constituído pelo presidente das secções desportivas, Eurico Fernandes Lisboa, e pelos seus colaboradores António Calheiros, João Azevedo, Eduardo Alves de Sá e Alberto Cruz.
Tiveram início no ano lectivo de 1901-1902, através de uma carta dirigida à Câmara Municipal de Coimbra. Prolongaram-se até 1914. Durante esse período, a Académica reinava e jogava na Ínsua dos Bentos, junto ao Mondego, no campo dos Bentos, no que é hoje o Parque Verde do Mondego. Na luta travada para a conquista da instalação pretendida, esse grupo contou com a preciosa ajuda dos Engenheiros das Obras Públicas que desenharam as plantas do terreno escolhido e que se situava na Quinta de Santa Cruz.
No referido ano de 1914 há novas iniciativas nesse domínio, que ganharam uma força maior, devido não só ao apoio dado pelo Reitor da Universidade, Doutor Guilherme Alves Moreira, que pôs à disposição da Câmara a importância de 1.000$00, como também pela receptividade da própria Câmara, então dirigida pelo Dr. Sílvio Pélico.
Uma carta da Académica, datada de 30 de Julho de 1914, endereçada à Câmara, agradecendo a cedência de terreno da Quinta de Santa Cruz para Campo de Jogos, permite fixar essa data como aquela em que a Académica aí se instalou.
Uma posterior acção da Câmara, em Setembro do mesmo ano, quando adjudica ao cidadão Fernando do Amaral a terraplanagem do campo, permite confirmar esse 30 de Julho de 1914 como o primeiro dia de vida do Santa Cruz, ainda que pertencendo à Universidade.
Em 23 de Fevereiro ou de Março de 1918 (não foi possível com rigor conhecer o mês!) realizou-se o primeiro encontro no Campo de Santa Cruz, ainda em condições bastante precárias, entre a Académica e o Império de Lisboa, tendo este ganho por 3-2. Não foi um inicio feliz.
Depois desse jogo, o Presidente da República Sidónio Pais concedeu 100 contos à Universidade de Coimbra para conclusão das obras do Campo.
Nesse tempo, a actividade para incrementar directamente o desporto não se vislumbrava no horizonte das Reitorias. Daí a verba ter passado para a administração da Associação Académica, que, ao tempo, era presidida pelo Dr. Fernandes Martins.
Muitos estudantes, com especial destaque inicial para Cunha Vaz e Rui Sarmento, lançaram mãos à obra, que era erguerem um campo desportivo digno desse nome.
A inauguração oficial teve lugar no dia 5 de Março de 1922, dela fazendo parte um jogo entre a Associação Académica e o Académico do Porto, cujo pontapé de saída foi dado pelo Reitor da Universidade, Doutor António Luís Gomes.
O que ressaltou do acontecimento foi a adesão de importantes figuras públicas (o Dr. Costa Rodrigues, ministro dos Negócios Estrangeiros, esteve presente!), o ambiente de festa que rodeou o encontro e o apoio do Reitor e da Academia, que prestou significativa homenagem ao seu Presidente, Dr. Fernandes Martins, aclamado e levado em triunfo da Reitoria, para onde todos se dirigiram após o jogo, até à sede da Associação Académica.
O resultado, 4-3 para os portuenses, voltou a não nos ser favorável, mas o importante era já haver um campo muito razoável.
A equipa da Académica desse histórico jogo foi a seguinte:
João Ferreira; Raimundo e pais; Mário, Galante e Eliseu; Teófilo Esquível (capitão), José Neto, Correia, F. Ferreira e Daniel.
Mais tarde, António Matos Beja, José Saraiva (um verdadeiro gigante!), João Teixeira Lopes, Albano Paulo, Fernão Rosa Gomes, Alexandre Alves e Armando Sampaio valorizaram (e de que maneira!) o que os dois pioneiros começaram. Sem qualquer apoio do estado, esses e outros estudantes foram notáveis nas acções que desempenharam.
Pás, picaretas, alviões, cilindros, carros de pedras, de saibro e de areia, foram por eles manejados e conduzidos com profundo alvoroço e comprovada eficiência. Sem que os motivasse qualquer interesse material.
Balneários, vestiários, bancadas de madeira (com cobertura de zinco!), piso, campo de basquetebol, uma pequena piscina de 14x7 metros, constituíram uma estrutura que conferiu ao nóvel Santa Cruz um estatuto de pequeno estádio.
Porventura o melhor campo desportivo do País, nessa época.
O futebol passou a conhecer importante dinamismo, mas outra modalidades se lhe seguiram, como o basquetebol, a natação, o atletismo. No que respeita ao futebol, havia larga utilização do campo, com jogadores e assistentes misturados, numa simbiose de entusiasmo desmedido e de confusão enorme. Havia jogadores que se não equipavam e “mirones” que o faziam. Indescritível esse início! Já se dizia “O Campo da Académica”, ainda que continuasse a ser propriedade da Universidade.
Entre 1918 e 1948, nele jogaram centenas dos seus atletas seniores (e também reservistas e juniores) todos de negro equipados, como se a capa e batina dos estudantes se tivesse transferido para os campos desportivos (só no período inicial, ainda nos Bentos, a camisola foi branca!). E aí se “escreveram” algumas das “páginas futebolísticas” mais brilhantes da respectiva história.
O Campo de Santa Cruz foi, sem dúvida, um dos pólos principais da vida da Académica, em quase toda a primeira metade do século XX. Com o Liceu Nacional de D. João III /hoje Escola Secundária José Falcão) e alguns colégios próximos, com a Universidade e a Escola Comercial e Industrial não muito distantes, aí convergiam, durante anos e anos, milhares de estudantes que, com a sua juventude, a sua alegria, a sua entrega, tanto a participarem como só a verem ou a apoiarem, em qualquer das modalidades a que se fez referência, fizeram da Académica um clube “sui generis”, de quem quase todo o país desportivo gosta, mesmo que não seja seu adepto.
Pode-se dizer que o Campo de santa Cruz foi um grande, um enorme “viveiro” de jogadores e de adeptos da Associação Académica de Coimbra. Seguramente uma das suas memórias mais vivas.

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